A personagem Casey, da série Atypical, consegue nos ensinar muito sobre amor próprio e sobre autocobrança.
Essa é uma personagem com quem eu me identifiquei desde o início: ela é forte, inteligente e, eu confesso, achei que ela fosse a irmã mais velha quando comecei a série, já que ela cuidava (e cuida) bastante do Sam no decorrer da série, como uma irmã mais velha.
Casey é uma corredora incrível, que logo na primeira temporada consegue uma bolsa de estudos em uma escola chique e para pessoas ricas por conta da sua habilidade e capacidade no esporte.
Ela também é bissexual e todo o seu autodescobrimento foi fruto de muita frustração para ela. Por diversos motivos.
E, além do mais, ela é irmã de uma pessoa autista e cuidou do Sam a vida toda (por isso que eu achei que ela fosse a irmã mais velha ali, pois em geral é o mais velho que cuida do mais novo).
E a Casey, com todos esses três pontos, consegue nos mostrar muito sobre a autocobrança e sobre como nós, mulheres, lidamos com as nossas imperfeições e como a sociedade exige que lidamos com elas.
O que é “vergonha”?
Um conceito importante que me ajudou bastante a entender e analisar a relação da Casey com a sua autocobrança foi a “vergonha”.
No livro “A Coragem de Ser Imperfeito”, Brené Brown nos explica sobre a vergonha, sobre o que ela é, e como homens e mulheres experimentam a vergonha.
E o que exatamente é a vergonha? Eu gosto de definir a vergonha da Brené como uma autocobrança, uma autocrítica, uma voz que fica dizendo coisas maldosas, rudes e cruéis na nossa mente, quando fazemos algo que nós (e a sociedade) julgam como errado.
E a vergonha é algo que a Casey experiencia muito nova, de diversas formas, e isso afeta muito o seu amor próprio e a sua relação com si mesma. Isso gera muita frustração para ela, e, mesmo em momentos que ela faz o certo, ainda assim, essa vergonha surge, dizendo que ela é uma pessoa ruim, que ela não merece amor, que ela não é suficiente.
E são sobre os três pontos que eu usei para descrever e contar da Casey que eu queria analisar aqui, com você, para entendermos como a vergonha pode afetar a nós, mulheres.
Casey como corredora
Brené Brown diz que homens e mulheres possuem “vergonhas” diferentes. Enquanto a vergonha para os homens aparece em momentos em que eles não podem “ser fracos” e nem “demonstrar emoções”, com essa voz dentro da mente deles dizendo que demonstrar qualquer aspecto humano (como dor, sentimentos, empatia, cometer erros) é errado e deve ser evitado a todo custo, a vergonha, para as mulheres, acontece por uma exigência de perfeição.
Enquanto os homens não podem ser humanos, as mulheres não podem ser imperfeitas.
É esperado que nós, mulheres, sejamos perfeitas o tempo todo. Se somos mães, não podemos tirar um tempo para nós que iremos estar “deixando de cuidar dos nossos filhos”. Se cuidamos demais dos nossos filhos, dirão que “somos protetoras demais”. Se somos adolescentes e concordamos com tudo, dirão que somos “boazinhas demais”. Se questionamos e não concordamos com algumas coisas, dirão que somos “rebeldes e estéricas demais”.
Nada é o bastante, nada é o suficiente. Nenhuma medida é perfeita e a sociedade e essa voz em nossa mente nos critica e julga o tempo todo por nossas imperfeições, por não sermos suficientes, não sermos o bastante.
E isso acontece com a Casey.
Ela é uma corredora tão boa, mas tão boa, que recebe uma bolsa de estudos em uma escola de pessoas ricas. Isso deveria bastar, não deveria?
Mas, quando ela chega nessa escola, as meninas a odeiam, não gostam dela e ficam a ironizando por “ser de uma escola mais pobre”. Ali, mesmo com toda a sua capacidade e habilidade em corrida, ela não é tratada como suficiente, como o bastante, mas sim como se não fosse nada. Como se nem complementasse o time de corredoras.
Isso gera muita frustração para ela no decorrer da série. Ser suficiente, ser o bastante. E, mesmo quando ela faz amizade com as meninas ali (principalmente com a Izzie), ela ainda assim passa por frustrações que afetam o desempenho dela. E ela se cobra por isso.
Se cobra por ter problemas (algo normal). Se cobra por sentir dúvidas e inseguranças (algo também normal). E começa a achar que tem algum problema, que todos conseguem dar conta de tudo menos ela.
E é comum que nós, mulheres, sintamos isso. Sintamos que todas ao nosso redor conseguem e dão conta de tudo, menos nós. Mas isso não é verdade. Como Shonda Rhimes provou, ninguém dá conta de tudo.
Casey como bissexual
Depois que a Casey quase beija a Izzie, ela tenta negar os seus sentimentos. Ela finge que nada está acontecendo entre elas, e ela até chega a evitar a amiga.
E isso também parece ser reflexo da vergonha dela. Da vergonha que nós, mulheres, sentimos.
Para a sociedade, o “certo” é ser hétero. É não sentir atração por alguém do mesmo gênero que você. E acredito que muito da frustração e autocobrança que a Casey sente enquanto ela evita a Izzie é por conta disso, que a vergonha dela diz que isso que ela sente é errado, que isso que ela está querendo fazer e vivenciar é errado.
É por isso que ela evita a Izzie. É por isso que ela se frustra e sente tanta cobrança consigo mesma.
E, quando ela aceita esse sentimento, quando ela entende que isso não é errado, que isso é parte dela também, surge um novo problema: ela beijou alguém estando namorando.
Quando nós, mulheres, finalmente aceitamos e conseguimos lidar com uma parte nossa que criticamos e julgavamos, parece que surge uma nova para aceitar e lidar. Parece que nunca somos o bastante, nunca somos suficientes.
A Casey então precisa contar para o Evan (o seu namorado) que ela beijou alguém. E, com 16 anos, ela consegue tomar uma decisão que, na minha opinião, muitas pessoas com vinte anos ou mais não conseguem tomar. Ou, se conseguem, não fazem isso da forma tão madura e responsável emocionalmente como a Casey fez.
Eu admirei, quando vi essa parte da série, a coragem, a maturidade e a responsabilidade emocional que a Casey teve com 16 anos. 16 anos!
E, além de tomar a decisão certa e correta, ainda assim, depois de contar para o Evan, ela se sente culpada, se sente cobrada por si mesma e pela vergonha, por essa voz na mente dela que a julga e critica por ter feito algo imperfeito, por ter beijado alguém estando em um relacionamento fechado.
E, depois que ela consegue finalmente lidar com tudo isso, com essa culpa, surge ainda outro dilema e cobrança que ela sofre: se autodescobrir e se entender.
Eu, como uma pessoa bissexual, sinto que há uma exigência e cobrança enorme em pessoas como eu de que elas se entendam e descubram quem são em um piscar de olhos.
Eu mesma, tendo me assumido bissexual há seis anos atrás, ainda me pego questionando às vezes: e se eu for lésbica? E se a atração que eu sinto por homens não for real, mas sim for fruto da heterossexualidade compulsória?
E isso é difícil, pois vivemos em um mundo binário: ou somos uma coisa, ou somos outra. E a bissexualidade abraça a não-binariedade, por isso talvez seja tão difícil e complicado para muitos de nós se entender, descobrir e assumir. Pois a sociedade parece não entender que, sim, podemos sentir atração por dois ou mais gêneros. E que sim, não precisamos sentir atração de forma igual, na mesma medida e da mesma forma para sermos bissexuais.
E isso parece ser uma fonte de autocobrança enorme para pessoas que, assim como a Casey, estão se descobrindo (sejam elas bissexuais ou não). Há uma exigência (tanto para homens quanto para mulheres) que eles se descubram rápido, se entendam rápido, que já saibam, com pouca idade, quem são.
Mas o autoconhecimento é um processo, é uma viagem sem fim, e não uma corrida ou uma maratona, que você precisa chegar ao fim o mais rápido possível. Às vezes o caminho muda, às vezes o destino altera, e está tudo bem. Está tudo bem mudar, se questionar, e não saber exatamente, com toda certeza, quem você é. Ninguém sabe.
E, no final da quarta temporada, que é quando ela sente muito mais essa exigência e (auto)cobrança de se entender e se descobrir, que ela finalmente entende isso, que o autoconhecimento é um processo, que ela não precisa se entender totalmente agora e está tudo bem.
Casey como irmã de uma pessoa autista
Como eu disse antes, a Casey é irmã de uma pessoa autista (o Sam), que sempre cuida dele, sempre o protege e o ajuda em tudo o que ele precisar.
E essa é outra fonte de autocobrança que ela possui, que acaba sendo desencadeada pelos pais também, que pedem que ela ajude Sam, que ela cuide dele pois nem sempre ele vai saber fazer as coisas sozinho, na mente deles.
Esse desvencilhar das proteções dos pais e da irmã é uma parte importante da série, que o Sam acaba desempenhando e lutando para conseguir.
E como isso afeta a Casey?
Ela, assim como nós, mulheres, somos constantemente cobradas de estarmos cuidando de tudo e todos, inclusive de homens (seja o irmão, o marido, o pai, o filho ou qualquer outra figura masculina). É exigido, pela sociedade, que as mulheres cuidem das figuras masculinas ao seu redor e isso acaba sendo uma grande fonte de frustração para todas nós.
Quantas vezes você já não se cobrou para cuidar de alguma figura masculina na sua vida? Quantas vezes alguém te cobrou para cuidar mais do seu pai, cuidar mais do seu marido, cuidar mais do seu filho?
A sociedade enxerga a nós, mulheres, como mães ambulantes, que precisam estar constantemente cuidando dos outros, que precisam dar conta de tudo sozinha e não devem exigir comemoração ou aplausos pelo que estão fazendo, afinal, estão apenas “fazendo a própria obrigação”.
Mas não é nossa obrigação cuidar das figuras masculinas ao nosso redor. É obrigação delas cuidarem de si, não nossa.
E como lidar com a autocobrança?
Acredito que o primeiro passo é perceber quando ela surge: quais dessas autocobranças que eu contei nesse texto que você se identificou? Anotar sobre elas, refletir e pensar já será ótimo para ajudar nesse processo!
O segundo passo é começar a desenvolver um relacionamento mais saudável com você mesma. E isso é um processo que eu explico e ensino de forma prática e acolhedora no meu curso Paz com Amor Próprio!
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